Quis partilhar um texto que me diz muito uma das amizades que tenho de longa data a minha maninha Isa e mostrar ao mundo que a vida não é fácil e que vivemos todos os dias tristes e alegres..
Para vocês :
Chamo-me Fátima tenho trinta anos, nasci uma bebé cabeluda e gorduchinha a maior
bebé da enfermaria, cresci normalmente como uma criança dita normal, cheia de vida,
muito alegre e muito despachada, sempre pronta para brincadeira.
Com cerca de cinco anos comecei a cair esporadicamente, aparentemente quedas normais e justificadas por ser trapalhona ou algo que estivesse no chão que originava a queda, por volta dos seis anos os meus pais começaram a notar que as quedas começavam ser mais frequentes, e sem qualquer razão aparente, preocupados levaram-me a médica de pediatria que justificou as quedas por ser rechonchuda e trapalhona coisa normal de criança que quer brincar, correr e saltar com toda energia como se não houvesse amanhã.
A vida continuou, passado uns meses, as pessoas que lidavam comigo no dia a dia como a minha ama e professora primária, também elas começaram notar que caia do nada, sem razão aparente, passado uns meses a minha professora primária alertou minha mãe pediu-lhe para estar mais atenta a minha forma de andar a forma como me levantava do chão, as quedas continuavam, a barriga das pernas eram grandes e o músculo muito contraído que parecia uma pedra, algo um pouco fora do normal para uma criança de seis anos.
Mais uma vez minha mãe levou-me a consulta com médica de pediatria, a mesma achou
tudo normal mais uma vez.
A minha mãe começou sentir que algo não estaria bem, decidiu marcar consulta num médico ortopedista, lá fomos nós as duas, a minha mãe explicou a situação ao médico.
O médico um senhor já de alguma idade simpático, observou-me com toda atenção,
lembro-me de ter me pedido para subir e descer uns degraus e caminhar pelo consultório, enquanto observava minha postura corporal, com uma fita métrica mediu-me as pernas, chegou a conclusão que o problema das minhas quedas seria por ter uma perna maior que a outra e um pouco os pés tortos, receitou uma palmilha para usar dentro do sapato esquerdo que era a perna um pouco mais curta para compensar, também teria que usar botas ortopédicas, sossegou a minha mãe dizendo que era algo normal e tudo iria melhorar.
Passado uns dias comecei usar a dita palmilha e as botas ortopédicas eram feias como tudo
e escorregadias como manteiga.
Resumindo um pouco da história, as semanas iam passando as quedas continuavam, o jeito como me levantava do chão, comecei também ligeiramente andar em bicos de pés, quando andava descalça ou com calçado raso, era cada vez mais notório que algo não estaria bem, mas aos olhos de muitos eu era preguiçosa e sofria de mimo a mais.
Fui novamente com minha mãe ao médico ortopedista, explicou que os sintomas continuavam, o médico mandou fazer analises clínicas pensando que fosse falta de cálcio nos ossos, passado uns dias voltamos ao consultório, o médico observou as analises, estava tudo bem tinha cálcio para dar e vender, o médico sem saber mais o que fazer entregou minha mãe uma carta fechada e pediu para se dirigir a neurologia pediatrica no Hospital Dona Estefânia, assim fez minha mãe.
Chegou dia da consulta, a minha mãe explicou a situação, o médico pediu para me despir e ficar em cuecas, pediu-me para andar pelo consultório, sentar e levantar do chão, sentar e levantar da cadeira e mais alguns processos que já não me recordo precisamente, o médico pediu para fazer um exame, esse exame era uma biopsia muscular teria ser realizada no Hospital Egas Moniz.
Já com oito anos, no dia marcado fui fazer a biopsia, consisti em retirar um pouco do músculo da parte de trás do joelho, sem qualquer tipo de anestesia como podem imaginar foi um momento horrível e de muito sofrimento, hoje entendo e tenho noção que para diagnosticar a minha doença a biopsia não pode ser feita com anestesia porque altera o resultado do estudo do músculo.
Passado uns dias fomos de novo Hospital Dona Estefânia, nesta ida a consulta foi obrigatório a presença do meu pai, foi nesse dia que me diagnosticaram Distrofia Muscular Recessiva (Gama sarcoglicanopatias), caracterizada pela fraqueza muscular, é uma das Distrofias Musculares mais severas, sendo uma doença rara e degenerativa, ainda não existe cura ou tratamento que retarde
a progressão da doença.
Muitos médicos deram sentença de morte que não chegaria aos 18 anos, muito menos chegaria aos 25 anos e se sobrevive-se prepara-se para degradação e evolução da doença.
Sendo uma doença degenerativa ao longo destes vinte anos fui perdendo as forças nos membros inferiores e superiores, órgãos vitais como coração, pulmões, deglutição, estômago, intestinos, equilíbrio, basicamente tudo que é músculo vai enfraquecendo, o que me torna dependente de terceiros para tudo, já alguns anos, os meus principais cuidadores são minha Grande Mãe e irmão.
Ao longo do tempo fui percebendo que a doença ia piorando, apesar de fazer fisioterapia e natação com todo empenho como minha mãe me pedia, que assim melhoraria minha condição física
Quando deixei andar definitivamente comecei ganhar consciência que minha doença ia evoluindo
para pior aos poucos, comecei aperceber-me que apesar de fazer os vários tipos de terapias com
todo o empenho, a doença sempre ia piorando, ao qual minha mãe me explicava que os meus
músculos eram um pouco mais preguiçosos mas que ia ficar boa, mas eu sentia que sua resposta,
era uma resposta de uma mãe sem saber como explicar a sua filha que tinha uma doença
progressiva e sem cura, cada vez mais era notório o evoluir da doença, queria saber mais sobre
minha doença, mas não era capaz de fazer perguntas mais profundas sobre doença, porque sentia
que era algo que causava muita sofrimento a minha mãe, um dia investiguei na internet num site
seguro. As lágrimas escorriam pelo meu rosto abaixo, senti medo, pânico senti-me sem chão, no
meio de um tribulhão de emoções prometi mim mesma que ia ser forte.
Com a perda dos movimentos físicos fui adaptando-me e ao mesmo tempo fazendo o luto do meu
próprio corpo, quando comecei a perder progressivamente a força nos braços fui arranjando
estratégias para realizar certas tarefas, acendia e apagava as luzes com a cabeça, quando precisava
beber água agarrava com os dentes a garrafa plástico e assim bebia água, pedi-mos a um carpinteiro para fazer uma secretaria adaptada as minhas necessidades físicas, para poder
continuar as minhas obras de arte como as pinturas e o artesanato mesmo neste momento só
conseguir mexer os pulsos, mesmo assim tento contornar e estudar novas formas de conseguir
contornar as minhas limitações, a pintura para mim é um amor poder criar as minhas obras de arte
ajuda-me a manter viva e capaz, desde criança que tenho está paixão, quando pinto esqueço os
problemas e sinto-me viva por conseguir pintar apesar das minhas limitações.
Viver com minha doença tem dias em que me é assustador, especialmente neste face de há três anos e pouco para cá, comecei a usar ventilador nocturno (Cpap) que me ajuda respirar, porque
assim que me deito tenho falta de ar, mas tem em mim o efeito secundário que me provoca gases,
derivado a não poder mexer-me dificulta um pouco mais a expelir os gases, tenho que ter uma
paciência de santo, porque muitas vezes causa-me desconforto abdominal, faço também o
aparelho da tosse assistida, ajuda ventilar e exercitar os pulmões e ajuda também se tiver
expetoração, perdi a capacidade de dormir algumas horas para lado direito, porque para lado
esquerdo já alguns anos valentes que não consigo dormir, estou também perder capacidade de
mastigar e engolir, engasgo-me com certos alimentos, ao que se chama de Disfagia.
Tenho que ter muito cuidado ao mexer meu corpo quando estou sentada, para não sentir dores na
coluna e não formar contracturas musculares, mesmo neste momento estar estável tenho sempre
dores, ao que é normal já são muitos anos sentada na cadeira de rodas.
Há dias que sinto muito medo, um medo assustador, uma ansiedade que parece que paralisa
minha respiração e o meu intestino fica todo embrulhado, ( daí não ser mentira quando dizem que
o nosso intestino é o nosso segundo cérebro), um medo de não ser capaz de lidar com avançar da
minha doença, tenho noção que posso chegar a um estado vegetativo, apesar de por vezes sentir-me assustada e ansiosa, existe em mim uma força imensa, que por vezes nem eu própria sei de
onde vem.
Nos dias menos bons, em que tenho vontade de mandar tudo as hortigas, tento respirar fundo,
tento focar-me vendo o lado bom das situações, foco-me nos meus poucos movimentos que ainda
tenho, faço muitas coisas, mesmo sendo ao meu ritmo devagarinho e com apoios de ajudas
técnicas e muitas vezes sentindo dor física. Foco-me mais ainda na pintura, nas minhas obras de
arte que enche minha alma e coração de alegria por ver que ainda sou capaz.
Tento saborear e agradecer as pequenas grandes dádivas de cada dia, como ter sempre o amor
incondicional da minha grande mãe que é também o ar que me faz manter viva.
As dificuldades da vida não podemos evita-las, faz parte da vida, do nosso crescimento enquanto
sere humano.
Quando deixei andar definitivamente, durante alguns anos perguntava a mim mesma muitas vezes
''Porquê???'', um dia ouvi está frase, ''Deus dá as batalhas mais difíceis aos seus melhores
soldados'', para mim fez muito sentido, até hoje, Deus sabe o que faz, quando digo Deus é o Deus
em que cada um de nós acredita.
Muitas vezes o que me é mais doloroso é sociedade em que vivo, uma sociedade que mantém em
não querer dar os mesmo direitos de igualdade as pessoas com mobilidade reduzida ou qualquer
outro tipo de ''deficiência''.
A minha experiência de viver com minha doença, o conselho que dou a pessoas que sofrem com
alguma doença ou mobilidade reduzida, o principal da caminhada é aceitar a doença, tentar viver
o melhor possível, tentar arranjar estratégias com apoio ajudas técnicas se assim for necessário,
ajuda muito no nosso dia a dia a ganhar mais liberdade física.
Mesmo quando temos dias difíceis e muito difíceis, mesmo quando nos sentimos perdidos ,
assustados com a nossa doença e limitações físicas, tentar não perder esperança, não deixarmos
de olhar em primeiro lugar para as nossas capacidades físicas e dons que temos, porque acredito
que cada sere tem um dom, tentar olhar e agradecer pelas pequenas dádivas de cada dia.
Dedicar nosso tempo, estima e carinho as verdadeiras pessoas que nos amam de verdade, que
cuidam de nós, que abdicam do seu tempo e vida pessoal para cuidar de nós com todo o amor e
dedicação.
As verdadeiras pessoas que ficam connosco na nossa caminhada em todas as horas, não desistem
de nós quando mais precisa-mos, ao mesmo tempo nos inspiram a não deixar de caminhar, mesmo quando doença nos torna dependente de terceiros para tudo.
Não permitam de jeito nenhum que pessoas que não acrescentam nada as vossas vidas vos
intoxiquem e roubem essência do vosso ser.
Mesmo quando a doença rouba quase todos os movimentos nos tornando altamente dependentes de terceiros, tentar não desistir, ver sempre em cada momento menos bom o lado positivo e ser se grato, tentar contornar as nossas limitações físicas e mentais.