Às vezes, tem de ser assim. Escrevo pela noite dentro. Gostaria de ter mais tempo, mas o tempo não tem mais tempo. O tempo não me pode dar o que não tem. Finjo que o sono ainda não chegou. E eu escrevo, mas o tempo não pára e não tenho tempo. Precisava de muito mais tempo. Às vezes, já altas horas da noite, pego nas minhas asas e vou voando por aí. Entro em casas acordadas. Vejo pessoas trancadas na dor, na tristeza, na saudade, na solidão. Tantas pessoas a quem a vida tirou o colo. No silêncio da noite, oiço choros, durante o dia abafados, oiço desabafos com o travesseiro. Vou voando de casa em casa e vou deixando pedacinhos de luz:" vai correr bem" " já passou" " tu és capaz" "amanhã é outro dia" "amanhã tentas de novo". " dorme sossegadinha " " eu estou aqui ". E vou deixando os meus abracinhos, daqueles gratuitos, só mesmo pela vontade de abraçar. De abraço a gente não se pode cobrar.
Otilia Mota
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